louro com miolo

Tudo interessa....

13 julho, 2006

Equívoco?

**** O ANO EM QUE DESISTIMOS***

Por Gustavo Ioschpe-

O mais surpreendente destes doze meses em que começamos a chamar parlamentares de "mensaleiros" não é que uma fatia aparentemente expressiva de nossos deputados recebesse uma mesada para votar com o governo.Nem que os deputados achassem que podiam se inocentar desse crime através da confissão de outro (caixa dois).Nem que eles efetivamente tenham sido inocentados.Nem que um deles tenha conjurado para sua absolvição uma trama certamente demasiado rocambolesca para ser aceita no mais mexicano dos folhetins: a esposa foi ao banco pagar a conta da TV a cabo e saiu de lá com 50 mil reais.Nem que o escárnio tenha chegado a tal ponto que uma congressista tenha se sentido suficientemente à vontade no ambiente prostibular que se tornou o belo prédio de Niemeyer para desfilar seus desajeitados passes do funk da sem-vergonhice.Nem que recursos de empresas estatais fossem uma fonte do numerário usado para alimentar os mensaleiros, configurando um novo e tenebroso nível do estelionato no país, em que os recursos do Estado são utilizados para irrigar um partido a chegar e manter-se no poder, solapando a isonomia que é a essência do regime democrático.Nem que o marqueteiro do presidente tenha reconhecido, aos prantos, que recebeu dinheiro no exterior - uma única vez! - para realizar a campanha política dos petistas.Nem que depois tenhamos descoberto que aquela não havia sido a única.Nem que, do "núcleo duro" do governo, um membro tenha sido cassado e indiciado por suspeitas de chefiar a máfia, outro tenha sido forçado a pedir demissão e tenha também sido indiciado por abiscoitar propinas em seus tempos de prefeito e o terceiro tenha abandonado seu ministério por negócios escusos com um familiar.Nem que um ministro da Fazenda tenha entrado em conluio com o presidente do segundo maior banco público do país para violar o direito à privacidade de um caseiro e divulgar seu sigilo bancário à imprensa.Nem que o procurador-geral da República tenha oferecido denúncia contra 40 das mais altas cabeças da República por formação de quadrilha e tenha chamado o partido ora no poder de "sofisticada organização criminosa".Nem que dinheiro público tenha aparecido numa cueca em um detector de metais de um aeroporto.Nem mesmo que o nosso presidente - aquele que nomeou e chefiou toda a gangue e que tem ao seu dispor todo o aparato da informação e inteligência das forças de investigação civis e militares - consiga se manter no cargo única e exclusivamente por alegar desconhecimento de tudo e todos que estavam à sua volta e que foi traído. (Em outros países, desconhecimento, autismo e ingenuidade desqualificam a pessoa para o exercício da Presidência. No Brasil, tornam-na favorita para a reeleição).
Não.
Tudo isso é grotesco, é revoltante, é pusilânime, é roto e vergonhoso.Mas não chega a ser surpreendente porque, infelizmente, a única coisa que nos surpreende em nossos homens públicos é a correção, a ética, a honestidade.O que é verdadeiramente surpreendente, o que beira as raias do chocante é que, envolta e soterrada por essa avalanche de esterco, enganada e vilipendiada por seus representantes eleitos e sabendo que os contos da carochinha contados por eles em sua defesa não passavam de empulhação da grossa, a sociedade brasileira tenha aquiescido e aquietado-se.Que tenha aceitado mansamente escândalo depois de escândalo.Que tenha relevado aquilo que povos sadios teriam visto como acinte.Que num país de 180 milhões de almas penadas não tenha havido um partido,um sindicato, um grêmio estudantil, uma ONG ou uma roda de bocha sequer com a disposição de ir às ruas, de convocar uma passeata, de jogar um mísero tomate ou dar um grito solitário contra essa patifaria que nos confisca a nação.Com o silêncio, tornamo-nos cúmplices. Por que essa inação? Será que as duas décadas de miasma econômico nos deixaram suscetíveis a acreditar que um crescimento econômico que só superou o haitiano é realmente uma boa performance? Nos vendemos por tão pouco?Ou será que a fadiga com o sistema político chegou ao ponto da total indiferença?Será que depois de apostarmos na redemocratização, no presidente-carateca,no presidente-sociólogo e no presidente-operário e vermos nossas expectativas cada vez mais frustradas finalmente abandonamos o barco?
Não sei.
O certo é que esses últimos doze meses, esses sombrios e desalentadores doze meses marcam a nossa desistência.
Lavamos as mãos. Daqui pra frente nossa democracia será como aqueles casamentos em que os cônjuges mal disfarçam a sua infidelidade. Permanecem casados por um misto de conveniência e obrigação, mas ambos sabem que nenhuma das partes pode ser confiada, nem tampouco que cabe qualquer indignação frente aos abusos e omissões do outro.Os eleitos nos enganam e os eleitores tentamos burlar leis, sonegar taxas e tratar a urna como penico, e ficamos acertados que ninguém denunciará as impropriedades do outro.Estamos num grande e árido deserto, sem ninguém que possa nos conduzir
pelo mar vermelho-lama que cada vez ocupa mais espaços. Talvez um dia nosso povo chegue à Terra Prometida, mas não será nesta geração.
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